A epopeia do povo Terena em Dourados e a III Assembleia da Grande Dourados (III Hou’nevo Vienóxapa

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CAMPO GRANDE ,08/11/2025

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A epopeia do povo Terena em Dourados e a III Assembleia da Grande Dourados (III Hou’nevo Vienóxapa


A epopeia do povo Terena em Dourados e a III Assembleia da Grande Dourados (III Hou’nevo Vienóxapa

*Este artigo se dedica à memória do povo Terena em Dourados. Por isso, não se estende às histórias igualmente valorosas dos povos Kaiowá e Guarani, aos quais rendo minha saudação.* Em nome do primeiro cacique Kaiowá, Ireno Isnard, e do inesquecível líder Guarani, Marçal de Souza, presto meu respeito e reconheço a importância de suas trajetórias na construção deste território compartilhado. Se aqui não menciono todos os grandes nomes Kaiowá e Guarani é porque me cabe, neste momento, trazer à tona uma história esquecida sobre meu povo, os Terena. Mas *a solidariedade entre nós permanece firme como o chão vermelho desta terra*, que nos une no passado, no presente e no porvir.


A história do povo Terena em Dourados é, ao mesmo tempo, uma epopeia de resistência e uma crônica do esquecimento. Muito antes da criação oficial da Reserva Indígena de Dourados (RID), os Terena já desbravavam o território. Em *1913, fugindo da fome e dos conflitos, famílias Terena e Kinikinau, oriundas da Terra Indígena Cachoeirinha e TI Buriti, cruzaram o rio Paraguai, passando pela antiga Colônia Militar dos Dourados (hoje Antônio João-MS), pelo povoado de Eldorado (atual distrito de Itahum), e abriram a chamada “picada dos bugres*” (hoje Picadinha), até alcançar o cerrado de Dourados.


Ao chegarem, encontraram os Guarani Kaiowá, que já perambulavam pela região, mas não conseguiam fixar seus *tekoha* devido à cobiça pelo solo vermelho e fértil. Juntos, Terena, Guarani e Kaiowá formaram o primeiro tekoha no Boqueirão. A convivência, no entanto, durou pouco: foram *violentamente atacados por grupos de “justiceiros”* — colonos armados que buscavam apagar sua presença. O ápice dessa violência foi o *massacre de 28 de setembro de 1914, no qual tombaram diversos indígenas, entre eles **Emílio Silva Reginaldo*, ancestral direto deste autor.


Somente após esses confrontos, o Estado brasileiro reconheceu a presença indígena: em *3 de setembro de 1915, por meio do **Decreto nº 401, foram reservados 3.600 hectares para a criação da Reserva Indígena de Dourados. Hoje, essa mesma área abriga mais de **23.500 indígenas*, divididos entre as aldeias Jaguapiru e Bororó — um território exíguo diante do crescimento populacional e da ancestralidade territorial negada.


Apesar de tanto ostracismo, *a memória resiste. Nomes como: Emílio da Silva Reginaldo, Antônio Bororó (que dá nome a uma das aldeias), Manoel Bertolino, Pedro Rodrigues, Floriza Machado, Laurindo da Silva, Livergina Reginaldo, Inocêncio Ribeiro, Ramão Chané, Julieta da Silva, Celestina Roberto, Negrinho Machado, Theodora da Silva, entre tantos outros, são parte da **memória oral que atravessa gerações*.


A história, porém, não termina aí. Em meados da década de 1960, uma nova leva de famílias Terena chegou à RID, convidadas pela então diretora da Missão Evangélica Caiuá, *Lóide Bonfim Andrade. Entre os pioneiros desse novo ciclo migratório estavam **Guilherme Felipe Valério* e sua esposa *Maurícia Mariano, acompanhados da irmã **Joaninha Felipe Valério*, oriundos da TI Taunay/Ipegue.


Vieram também *Ângelo Massi de Morais, José Aquino, Malaquias Valério, Zélia Galdino, João Mariano Filho, Inocêncio Joaquim e Natália Joaquim, entre outros. Esses nomes marcaram presença ativa na **organização religiosa e na reafirmação cultural do povo Terena*. Guilherme Felipe Valério, por exemplo, fundou a primeira congregação Presbiteriana na RID e buscou reunir seus parentes e tradições da aldeia de origem, Panana.


Essas famílias foram responsáveis por manter vivas as danças tradicionais *Hiokexoti, Kipaé e Siputerenoe* dentro da RID, difundindo os valores Terena entre as novas gerações.


Dessa movimentação cultural e política, nasceu, em *2023, a **Organização Terena da Grande Dourados (OTGD), fruto da articulação de educadoras indígenas como **Késia Valério, Midian Valério, Magna Freitas e Neuza Meireles, com apoio jurídico do advogado indígena **Dr. Wilson Matos. A OTGD passou a organizar a **Assembleia Terena da RID, elegendo representantes por segmentos como educação, saúde, juventude, agricultura, segurança e religião — uma forma de **reconstruir a autonomia em meio ao esquecimento institucional*.


A *3ª Assembleia da OTGD (III Hou’nevo Vienóxapa)*, realizada em 2025, consolidou esse caminho de fortalecimento. Com início às 7h com a mesa do café, a programação seguiu com:


* *Abertura oficial* com apresentações culturais e fala da comissão OTGD, reafirmando a etnoterritorialidade Terena;

* *Debates com autoridades indígenas e externas, mediadas por lideranças locais como **Anderson Mamede, Thiago Aquino, Erik Mamede e a professora Késia Valério*;

* *Mesas temáticas de Saúde, Agricultura Familiar e Educação*, conectando as necessidades reais da comunidade com ações concretas;

* Encerrando com a *Escolha da Garota e Garoto OTGD*, em clima de confraternização e orgulho cultural.


O *silêncio das políticas públicas em relação aos Terena de Dourados-MS não é acaso. É projeto. É apagamento*. Poucos sabem — e quase ninguém reconhece — que esse povo guerreiro fincou raízes aqui há mais de um século. A própria existência da RID, oficialmente reconhecida apenas após o massacre de 1914, é prova de que o Estado só age quando o sangue indígena já foi derramado.


Hoje, os Terena continuam resistindo. *Reafirmam seu pertencimento, suas práticas e sua história mesmo diante da expropriação territorial, da violência estrutural e da tentativa permanente de apagamento.*


*Esta é uma memória que não pode mais ser relegada ao silêncio.*


Recontar a epopeia Terena de Dourados não é apenas um exercício de justiça histórica — é um passo necessário para romper com a política do esquecimento que marca a relação do Estado com os povos originários.


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*Wilson Matos da Silva*

Indígena, Advogado Criminalista (OAB/MS 10.689), Especialista em Direito Constitucional, Jornalista (DRT 773/MS), residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados (MS)

📩 [nosliwsotam@gmail.com](mailto:nosliwsotam@gmail.com)




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