DR WILSON MATOS
Sufrágio Secreto e o Estado Democrático de Direito nas Aldeias
Introdução
O voto secreto, universal edireto é um pilar fundamental da democracia. No Brasil, o sufrágio secreto,assegurado pela Constituição Federal de 1988, garante ao cidadão a liberdade deexpressar sua vontade política sem pressões externas, sejam elas econômicas,religiosas, familiares ou políticas.
Mas será que esse direitofundamental chega até as aldeias? Como as comunidades indígenas, marcadas porclãs, famílias extensas e tradições orais, estão vivenciando a escolha de suaslideranças?
O presente artigo reflete sobre aimportância do sufrágio secreto como instrumento de fortalecimento do EstadoDemocrático de Direito nas aldeias indígenas, com ênfase na experiência daaldeia Jaguapiru, no Mato Grosso do Sul, e nos desafios enfrentados para mantera legitimidade do processo eleitoral.
O Sufrágio Secreto noConstitucionalismo Brasileiro
O Sufrágio Secreto noConstitucionalismo Brasileiro A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14,estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelovoto direto e secreto, com valor igual para todos. Essa regra vale para todas etodos os cidadãos brasileiros — e os indígenas são, por força do artigo 231 damesma Constituição, reconhecidos como povos com organização própria, mastambém como cidadãos plenos da República.
O voto secreto é um escudo contraa coerção, protegendo o eleitor de práticas como o caciquismo autoritário ou ainfluência de "coronéis modernos". Nas aldeias, onde os laçosfamiliares são profundos e os conflitos podem ser duradouros, a ausência dovoto secreto pode expor os indivíduos a represálias, pressões ou isolamento,comprometendo a liberdade de escolha e a legitimidade das lideranças eleitas.
O Estado Democrático deDireito nas Aldeias
O Estado Democrático de Direitogarante a todos os cidadãos direitos assegurados, aplicação justa das leis eparticipação popular. Nas aldeias multiétnicas e multiclanicas do Mato Grossodo Sul, como Jaguapiru e Bororó, a complexidade social exige uma democraciaplural que respeite a diversidade, a igualdade e a autonomia dos povos.
Nas aldeias multiétnicas emulticlanicas do Mato Grosso do Sul — como Jaguapiru e Bororó — vivemos uma complexidadesocial que exige uma democracia igualmente plural. É necessário um pactopolítico fundado no respeito mútuo, na escuta coletiva e na liberdade dedecisão. Há 35 anos, a aldeia Jaguapiru deu um passo histórico rumo àautodeterminação política. Seguir a legislação que disciplina a eleiçãointerpretada a luz do direito consuetudinário e aos princípios democráticos deDireito proporciona a escuta coletiva e o direito de cada um.
Em 1991, inspirados pela leiturado artigo 1º da Constituição Federal, que estabelece o povo como fonte dopoder, a comunidade, liderada pelo então cacique capitão Ramão Machado,constituiu a primeira comissão eleitoral. Essa comissão, combinando ospreceitos legais do Estado Democrático de Direito com o Direito Consuetudinário,organizou o processo eleitoral, garantindo que a escolha das liderançasrefletisse a vontade coletiva.
Desde então, a cada quatro anos,o cacique emite e assina um edital de convocação, publicado em jornal de grandecirculação, respeitando tanto a legislação eleitoral quanto as práticasconsuetudinárias.
Apesar dos avanços, nos últimosquatro anos, o processo eleitoral na aldeia Jaguapiru tem enfrentado sériosdesafios. "Eminências pardas" — figuras que operam nos bastidores cominteresses próprios — infiltraram-se nas comissões eleitorais com o objetivo demanipular o processo e eleger seus aliados. Essas interferências têm causadodivisões e conflitos internos, ameaçando a legitimidade das eleições e a coesãoda comunidade.
Esse cenário reforça a necessidadede reafirmar os princípios do Estado Democrático de Direito, especialmente alei eleitoral, interpretada à luz do Direito Consuetudinário, para garantir atransparência, a imparcialidade e a liberdade de escolha.
Democracia Intercultural: UmCaminho Possível
O pluralismo jurídico permiteconstruir uma democracia indígena que seja autônoma, justa e legítima, semimpor modelos externos que desrespeitem as tradições culturais. No Brasil, aadoção do voto secreto nas aldeias pode ser uma ferramenta de pacificação eautodeterminação, desde que respeite os princípios legais e consuetudinários.Na aldeia Jaguapiru, a combinação da legislação eleitoral com o DireitoConsuetudinário tem sido a base para um processo eleitoral legítimo.
Nas aldeias brasileiras,principalmente as que enfrentam conflitos internos, a eleição com voto secretopode ser uma ferramenta de pacificação e de autodeterminação mas deve seguiremo princípio e legal e democrático.
O Papel das Lideranças e daJuventude Indígena
As lideranças indígenasconscientes reconhecem que o poder verdadeiro emana do povo. A juventudeindígena, composta por estudantes, professores e comunicadores, desempenha umpapel crucial na construção de uma democracia enraizada na cultura, mas voltadapara o futuro.
Espaços como escolas indígenas,universidades e jornais comunitários, como o The Time Indígena MS, sãofundamentais para a formação política das comunidades.
Defender o sufrágio secreto nasaldeias não é trair a cultura indígena, mas reafirmar o direito de cada povo aviver com dignidade, autonomia e justiça. O voto secreto é uma proteção contraabusos e uma ferramenta para assegurar que a vontade coletiva prevaleça.
O Estado Democrático de Direitodeve alcançar os espaços indígenas, respeitando suas especificidades culturaise garantindo a legitimidade das escolhas coletivas.
*Wilson Matos da Silva – ÉIndígena, Advogado OABMS 10.689 Criminalista, especialista em DireitoConstitucional, é Jornalista DRT 773MS. residente na Aldeia Jaguapiru –Dourados MS. nosliwsotam@gmail.com



COMENTÁRIOS